Mais que uma livraria, um símbolo da resistência à capitalização da leitura
Por Márcio Bleiner
Definitivamente, na vida de jornalista, algumas pautas – como carros ou pessoas – são melhores que outras. Enquanto algumas te levam quase a perder a fé na humanidade, outras te dão motivos para acreditar que ainda é possível sonhar.
Quando conversei com meu entrevistado por telefone, confesso, não sabia bem o que esperar. Mas como jornalista e leitor curioso, receber a missão de conhecer e escrever sobre uma livraria que também é sebo cultural, envolvida em ação de cunho comunitário, em Rio Branco, me deixou, no mínimo, otimista.
No dia seguinte, fui ao encontro do proprietário da Livraria Moura, localizada no Conjunto Universitário I, no horário marcado, com algumas perguntas na cabeça. Dono de um sorriso tímido, mas firme, olhos brilhantes e um ar de quem está sempre com uma ideia na cabeça, Ezir Leite de Moura Junior lembra, não um dono de livraria ou vendedor de livros, mas uma figura que, como o alfaiate e o sapateiro estão em extinção: o livreiro, aquele que explora, que vive em meio aos livros, buscando conhecimentos para poder compartilhar.
Em meio aos mais de 12 mil títulos que a Livraria hoje possui, Moura é assertivo: ao contrário de seu homólogo eletrônico, “o livro físico é provocador”. “Quando você compra um livro físico e coloca em cima de uma mesa, ele te confronta de todo, é como se ele dissesse, no silêncio dele: você não vai me ler?”.
De imediato concordamos: os e-books, ao mesmo tempo em que disseminam, criam uma lacuna no o à leitura – e também uma desconexão não saudável do mundo físico. “O PDF tem isso. Quando você desliga o celular, você ‘desliga’ os livros. E o livro não foi feito pra isso. (…). Sem falar que, quando você tá ali fazendo tua leitura, chega notificação do Instagram, do WhatsApp. São várias as distrações do principal, que é a leitura”, ressalta.
Enquanto me distraio, vendo a sessão de livros sobre o Acre que Moura fala com orgulho, alguns bastante interessantes para quem deseja conhecer mais à fundo a pitoresca História do Aquiry (vocês já se deram conta de que já fomos um Estado Independente, “no coração da América do Sul”, por três vezes?) o papo rapidamente alcança a filosofia.
“Platão fala que, sem o livro, o Universo não faria sentido. Eu gosto muito dessa frase. Porque, na vida, quem dá o sentido são as pessoas”, ele fala, parafraseando o imortal pensador ateniense. Mais uma vez, concordamos.
Menina dos olhos e não mercantilização da leitura
Ezir se alegra, em especial, quando conversamos sobre o projeto Varal Cultural, por meio do qual, ele leva às comunidades obras selecionadas por preços módicos, além de disponibilizar livros de autores locais, alguns de cunho histórico, outros de natureza poética, pôsteres literários, entre outros produtos que são exibidos, comentados e, por vezes, até mesmo doados, para incentivar a leitura nos bairros da capital.
“É a nossa menina dos olhos. Não importa se a livraria física está no Conjunto Universitário. Nosso modelo de negócio não é o mercantilista (a mercadoria pelo lucro), nosso modelo de negócio é o do livreiro que não existe mais, é o do Pelé (conhecido vendedor de revistas na capital acreana), é contribuir com a população, com o hábito da leitura, é fomentar mesmo”, destaca.
Moura explica que a Livraria, que também funciona como Sebo Cultural, surgiu no início da pandemia da covid-19 como uma loja virtual. Já que o distanciamento social era altamente recomendável naquele momento epidemiológico, a ideia era proporcionar aos leitores contato físico com obras de qualidade, mesmo que para isso se utilizasse de meio virtual.
“Nós começamos com 500 títulos. Em seis meses, já tínhamos um ponto alugado na principal do Universitário com 5.000 títulos. Depois eu trouxe pra cá, porque eu quero estar perto dos meus livros, das pessoas. Já são 12 mil títulos. Eu tenho cliente que, às vezes, está ansioso, precisa fazer alguma leitura (o que, por sinal, é bem mais recomendável que ‘mergulhar’ no celular), eu fecho a porta e ele fica aí até meia noite. É uma relação diferenciada.”
A hora já era adiantada e apesar de ainda poder ar horas conversando sobre leitura, história, literatura, era hora de desligar o gravador, emergir do ambiente acolhedor do mestre livreiro e voltar para realidade. Terminei a pauta, porém, mais uma vez, com aquele velho conhecido gosto de que ainda vale. Sim. Ainda vale acreditar.
É, Moura, oxalá, no futuro, Rio Branco venha (ou volte?) a ter mais livreiros como você.
Se você ficou curioso, estuda na Ufac, mora no Tucumã, Distrito Industrial, próximo ao centro istrativo de Rio Branco, ou simplesmente não mede distâncias por uma boa leitura, não deixe de conhecer a Livraria Moura.
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