Em meio a histórias não contadas e páginas de livros esquecidos, existe um acervo cercado de vivências, mundos diversos e saberes acumulados e sobretudo, um compromisso com a memória e a leitura. A Livraria Moura, fundada em 2020 por Ezir Leite de Moura Júnior, vai além de um espaço de venda de livros usados. É um abrigo literário que resiste ao consumo rápido e à lógica do esquecimento.
A ideia surgiu da relação afetiva que Ezir tem com os livros desde a infância. Pesquisador, artista e livreiro, ele sempre esteve cercado de acervos, heranças familiares e uma sensibilidade com o papel impresso. Foi dessa vivência que nasceu a vontade de criar um espaço físico, aberto ao público, onde livros usados ganham novas vidas, memórias se cruzam e histórias voltam a circular. Em quatro anos, o acervo cresceu. Hoje, além dos livros, há fitas VHS, vinis, objetos vintage e uma atmosfera que convida à permanência — um respiro em meio à correria do cotidiano e ao excesso das telas.
“Manter uma livraria como essa é resistir à lógica do consumo rápido e do esquecimento. Não concorro com grandes plataformas. Ofereço outro tipo de encontro: mais humano, mais afetivo”, explica Ezir, que cuida sozinho da curadoria, do atendimento, da organização dos eventos e da manutenção do espaço. “Conto com colaborações pontuais e com amigos que acreditam no projeto, mas o dia a dia é todo comigo.”

O Brasil que lê cada vez menos: entre o desinteresse e a exclusão
Um lugar onde o livro é ponto de partida para conversas sobre cultura, identidade e memória em uma época em que o número de leitores no Brasil despenca e o o ao livro se torna cada vez mais , se sustenta como ato de resistência. De acordo com a 6ª edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, divulgada em 2024, mais da metade da população brasileira (53%) não leu nenhum livro nos últimos três meses. Em quatro anos, quase 7 milhões de leitores deixaram de ler. A média anual de leitura também caiu: hoje, são 3,96 livros por pessoa — um dado que escancara desigualdades históricas, falta de incentivo e desmonte de políticas públicas para o livro e a leitura.
A Região Norte, onde está localizada a Livraria Moura, também foi afetada. Em 2019, 63% dos nortistas se consideravam leitores. Em 2024, o número caiu para 48%. Entre os motivos mais citados para o desinteresse pela leitura estão: a falta de tempo, o custo elevado dos livros e a preferência por outras mídias, especialmente as redes sociais. O dado dialoga diretamente com a realidade enfrentada por livrarias independentes, que precisam reinventar a forma de atrair leitores e sobreviver sem o apoio institucional que projetos desse tipo demandam.


No Acre, leitura também despenca nas escolas
O problema se agrava ainda mais quando se observa o desempenho da educação básica. Segundo o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), o percentual de estudantes com desempenho adequado em leitura no Acre caiu de 53% em 2019 para apenas 20% em 2023. É o segundo pior resultado entre todos os estados brasileiros.
Esses dados não apenas revelam uma defasagem estrutural no ensino, como também mostram como a leitura vem perdendo espaço nas práticas cotidianas da escola. O esvaziamento das bibliotecas escolares, a falta de formação continuada para professores e o avanço da cultura digital imediatista estão entre os fatores que contribuem para o cenário atual. E é nesse contexto que a Livraria Moura se insere como uma alternativa possível. Ao oferecer um espaço onde o livro é valorizado não só como mercadoria, mas como elo de construção social.

Um negócio afetivo, formalizado e autônomo
Nesse contexto, a Livraria Moura resiste, não apenas como negócio, mas como propósito de mudança. Quando percebeu que o projeto da livraria podia se tornar mais do que um acervo pessoal ou uma feira esporádica, Ezir decidiu se formalizar como Microempreendedor Individual (MEI). A regularização lhe trouxe autonomia para emitir notas fiscais, participar de editais e eventos culturais com mais respaldo jurídico, além de garantir direitos básicos como aposentadoria e benefícios previdenciários.
“O MEI me deu mais segurança e estrutura para continuar. O processo foi simples, online, e tive e quando precisei. A formalização também me ajudou a participar de eventos culturais com mais respaldo jurídico”, relata.
Apesar da formalização, Ezir segue sendo o único responsável por todas as etapas do projeto. É ele quem seleciona os livros, organiza os eventos, cuida da limpeza do espaço e faz o atendimento ao público. “É um desafio imenso, mas acredito que o diferencial da Livraria Moura está na experiência afetiva. Cada livro aqui tem uma história.”

“Comprar de livrarias independentes é uma tentativa de mantê-las vivas”
Além de vender livros, o espaço já promoveu cineclubes, feiras, exposições e rodas de conversa. Tudo feito de forma independente, contando com a colaboração de amigos, artistas locais e prestadores de serviço pontuais. “Manter um espaço como esse é uma luta diária contra a lógica do consumo rápido e do esquecimento. Mas acredito que o diferencial da Livraria Moura está justamente na experiência afetiva. É uma construção de memória.”
Para a estudante de jornalismo Ranelly Yasmin, consumidora da livraria, o impacto da Moura é concreto. “É ter o e contato com os títulos. As livrarias hoje estão em ‘extinção’, justamente pela queda crescente de leitores no Brasil e no Acre. Comprar de livrarias independentes é de certa forma uma tentativa de manter elas funcionando”, afirma.

O deslocamento da Moura para dentro de espaços como universidades e feiras culturais também reforça essa aproximação. “A gente pensa que a biblioteca é ível, mas muitas vezes não tem o costume de ir até ela”, reflete Victor Hugo dos Santos, também estudante de jornalismo. “A Moura faz o caminho inverso: ela vai até a gente, entra no contexto dos eventos. Já vi livros sobre comunicação sendo oferecidos em semanas acadêmicas de comunicação, o que é muito potente. É um convite ao contato, à curiosidade, ao pertencimento.”
O trabalho de Ezir não é apenas comercial: é também educativo, social e político. Ao propor encontros comunitários e facilitar o o a livros que, muitas vezes, seriam descartados, ele reforça a importância da leitura como prática coletiva, ível e formadora. “A leitura me salvou em muitos momentos. Me formou como pessoa, pesquisador e artista. Ler é se deslocar, mas também se reconhecer. É uma forma de continuar existindo com mais profundidade, escutando o outro e a si mesmo”, afirma.

Um centro cultural em crescimento
Para o futuro, Ezir sonha alto: deseja transformar a livraria em um minicentro de memória, com acervos de jornais e documentos antigos. Também pretende desenvolver cursos sobre a história do livro, ampliar o cinema comunitário na praça e, eventualmente, montar uma pequena editora para publicar autores locais ou projetos voltados à memória social.
A ideia é que a livraria se consolide como um ponto de referência em Rio Branco — não apenas para quem procura uma leitura, mas para quem deseja refletir sobre o tempo, a cultura e o pertencimento.


“Quero fortalecer o cineclube que realizamos na praça, criar oficinas sobre memória social e, quem sabe, montar uma pequena editora para publicar autores locais. Tem muita gente escrevendo coisas potentes aqui no Acre que merecem ser lidas.”
Em um país onde a leitura enfrenta entraves diversos — econômicos, educacionais e sociais —, a Livraria Moura funciona como ponto de apoio para quem ainda acredita na importância do livro. “É possível criar vínculos afetivos com a leitura mesmo em tempos difíceis. O desafio é seguir insistindo nisso”, concluiu.
A livraria atende pelo Instagram @livrariamoura e pelo telefone (68) 99933-2025. O atendimento é feito mediante agendamento prévio.
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