Foi durante uma leitura despretensiosa, num momento de introspecção, que Júlia Tainá Maia Pereira, reencontrou um chamado ancestral. O livro “A Moda Imita a Vida”, de André Carvalhal, provocou um deslocamento interno que a levou a pensar na moda como um campo de expressão e resistência, e não apenas consumo. Ali, entre páginas e reflexões, germinava o desejo de empreender com propósito. Dessa semente nasceu Tai.
“A leitura despertou em mim a compreensão de que aquilo que me cercava — os traços da cultura, da vestimenta, da ancestralidade — era mais do que estilo: era identidade, pertencimento e expressão. Quis mostrar ao mundo que a arte indígena pode se manifestar de diversas formas, estar presente em diferentes peças e contextos, e ser usada por todos — inclusive por quem, até então, não se identificava com esse estilo”, afirma.

A marca une arte, espiritualidade indígena e sustentabilidade em peças autorais confeccionadas artesanalmente. Mais do que peças, as criações são carregadas de símbolos, cores e histórias que dialogam com a floresta e com os ciclos da vida.
Ao lançar a marca, Júlia enfrentou os primeiros dilemas de quem empreende com valores que desafiam o ritmo acelerado do mercado tradicional. Formada em Direito e após trabalhar 8 anos no Tribunal de Justiça do Acre, ela se deparou com a questão de como sustentar um modelo de produção respeitando o tempo da criação, os ritos e a integridade cultural dos símbolos que carrega?
O legado de quem veio antes
Júlia cresceu em um ambiente onde o ativismo não era discurso, mas prática cotidiana. Filha da educadora Concita Maia, fundadora do Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia (Mama), aprendeu desde cedo que ser mulher e indígena é também ser resistência. “Ser uma mulher empreendedora, para mim, é a continuação de uma herança de força, sabedoria e resistência que recebi da minha mãe, Concita Maia”

A marca, portanto, não é apenas um projeto individual, é continuidade de uma linhagem de mulheres que criam, cuidam e contestam. Artesanato, para Júlia, é também um gesto político. Suas peças expressam subjetividades que escapam dos clichês e ampliam a presença indígena em espaços urbanos e criativos.
Ancestralidade no mercado
Quando decidiu formalizar o negócio como microempreendedora individual, Júlia contou com o apoio do Sebrae Acre e de uma incubadora voltada à moda sustentável. Com isso, ou a entender a estrutura empresarial por trás da criatividade e conseguiu organizar processos para alcançar novos públicos.
“O Sebrae do Acre teve participação no processo de formalização do meu negócio, auxiliando na abertura do MEI. Mas foi o processo de aceleração promovido pela Aliança Empreendedora e pelo Instituto Renner que fortaleceu meu negócio e ampliou minha visão sobre empreendedorismo com propósito”, relata.

Hoje, aos 37 anos, ela vende peças pelas redes sociais, participa de feiras em diferentes estados e constrói uma clientela interessada em consumir com consciência. Seus produtos incluem vestidos, órios, blusas e mantas que carregam não só estilo, mas histórias.
Mesmo com desafios, como o alto custo de insumos e a necessidade constante de educar o consumidor sobre o valor do trabalho artesanal, Júlia acredita que a autenticidade é seu maior diferencial. Em vez de seguir tendências ageiras, ela escolhe narrar a floresta. “As peças que crio carregam ancestralidade, contam histórias, e são marcadas por grafismos, traços e detalhes que acompanham inúmeras gerações”
Afeto como força produtiva
Embora o ateliê funcione de forma majoritariamente individual, Júlia está cercada por outras mulheres indígenas que compartilham saberes e afeto. Com elas, constrói uma rede colaborativa que vai além da produção, é um espaço de cura, escuta e fortalecimento coletivo.

Essas relações também influenciam no modo como as peças são feitas. O tempo da criação é respeitado. Não há pressa, nem metas rígidas. “Conto com um coletivo de mulheres que colaboram na confecção de peças usadas nas customizações, fortalecendo a produção de forma colaborativa e respeitosa com os saberes de cada uma”, diz.
Moda que comunica e reconecta
Mais do que uma marca, Tai é um gesto comunicativo. Através de suas roupas, Júlia questiona estereótipos, quebra preconceitos e oferece outras imagens possíveis sobre os povos indígenas, especialmente sobre as mulheres indígenas, urbanas, contemporâneas e criadoras.
“Sinto que meu trabalho vai além do produto final. Ele educa, provoca reflexões e cria pontes entre culturas. Cada peça carrega histórias, símbolos e saberes que despertam curiosidade, respeito e diálogo”, diz.
Você pode conhecer e adquirir as peças de Júlia pelo Instagram @tai.br, onde ela compartilha não só os produtos, mas o processo criativo e as narrativas por trás de cada peça. As vendas online têm levado sua arte para além do Acre, alcançando públicos em busca de significado, beleza e conexão com a floresta.

Para o futuro, Júlia deseja expandir com equilíbrio, mantendo os princípios que fundamentam seu fazer: sustentabilidade, conexão espiritual e respeito ao tempo da natureza. Seu sonho é que mais mulheres indígenas possam empreender sem deixar de ser quem são, produzindo o novo sem romper com o ancestral.
“Mantenha viva sua identidade em tudo que você criar. O mundo precisa da sua visão, da sua força e da sua forma única de transformar realidades”, aconselha.
Produção: Gisele Almeida