As últimas 48 horas foram marcadas por uma triste e revoltante repetição: duas mulheres assassinadas brutalmente por ex-companheiros no interior do Acre. Em menos de dois dias, famílias foram destruídas, filhos ficaram órfãos e a sociedade mais uma vez se deparou com a face mais extrema da violência de gênero: o feminicídio.
Na manhã desta sexta-feira (13), Luana da Conceição do Rosário, de 45 anos, foi atacada a facadas enquanto voltava da padaria no bairro Triunfo, em Senador Guiomard. Ela havia saído de casa por volta das 5h da manhã para comprar pão, uma rotina simples que acabou interrompida de forma cruel por José Rodrigues de Oliveira, de 54 anos, conhecido como “Zeca”. O agressor a surpreendeu na rua, atravessou de moto para o lado onde ela caminhava e a golpeou com pelo menos nove facadas, cinco delas na região do peito.
Mesmo ferida, Luana ainda tentou correr, pedir socorro, mas caiu em frente a uma casa de carnes próxima, enquanto moradores, atônitos, chamavam por ajuda. Ela foi levada ao hospital local, mas não resistiu aos ferimentos. Zeca fugiu para uma área de mata e foi localizado e preso horas depois pelo Grupo Especial de Fronteira (GEFRON), nos fundos de uma fazenda da região.

O crime de Luana não foi um episódio isolado.
Na quarta-feira (11), em Capixaba, outro município acreano, a 77 km de Rio Branco, Auriscléia também teve sua vida brutalmente interrompida. Ela foi morta com golpes de terçado na zona rural da cidade. O autor do crime? Seu ex-companheiro, Natalino Santiago, com quem ela viveu por seis anos. Além de Auriscléia, o filho do casal, de apenas oito anos, também foi ferido na tentativa desesperada de defender a mãe. O agressor segue foragido.

“Não podemos mais naturalizar”: alerta das autoridades
Diante da sequência de feminicídios, a procuradora de Justiça Patrícia Rêgo faz um alerta duro, mas necessário: “O sinal de alerta tem que estar sempre ligado aqui no Acre e no país. O feminicídio é um crime que dá sinais. Não é um surto, não é um ato de impulso. São mulheres que já vinham sendo ameaçadas, perseguidas, agredidas”, afirmou a procuradora.
Segundo Patrícia, o Acre contabiliza quatro feminicídios somente nos primeiros meses de 2025: um em Mâncio Lima (Graziely Lima de Oliveira, de 19 anos), um em Rio Branco (Janice da Rocha Lima,de 40 anos), um em Capixaba (Auriscléia Lima do Nascimento, de 25 anos) e agora o de Senador Guiomard (Luana da Conceição do Rosário, de 45 anos). “Nós estamos apenas na metade do ano. Isso mostra que, apesar de termos reduzido os índices nos últimos anos, ainda falhamos como Estado e como sociedade”, reforçou.
No caso de Luana, por exemplo, existia um histórico de violência. Ela chegou a registrar um boletim de ocorrência em 2023 e solicitou medida protetiva contra o agressor, que estava em vigor até hoje. “Ela buscou ajuda, fez o que estava ao alcance dela, mas infelizmente, mesmo com a medida em vigor, a tragédia aconteceu”, lamenta a procuradora.

Silêncio que mata
Uma das maiores dificuldades no combate ao feminicídio é justamente o silêncio que cerca as vítimas. De acordo com dados do Ministério Público do Acre, cerca de 80% das mulheres assassinadas por companheiros ou ex-companheiros no estado não tinham qualquer medida protetiva em vigor ou sequer haviam feito denúncia formal antes do crime.
“A maioria dessas mulheres morre sem nunca ter ado pelo sistema de segurança ou justiça. E isso não é culpa delas. Muitas vezes falta apoio da família, dos vizinhos, dos amigos. As pessoas sabem o que está acontecendo, mas preferem não se envolver”, alerta Patrícia Rêgo.
No caso de Capixaba, vizinhos relataram que já haviam presenciado diversas agressões sofridas por Auriscléia, mas que nunca denunciaram. “É fundamental que a sociedade entenda que a violência contra a mulher não é problema só dela. Quem se cala diante da violência é cúmplice”, reforçou a procuradora.
Feminicídio é crime evitável
Patrícia Rêgo foi enfática: “Todo feminicídio é evitável. Esses crimes não acontecem do nada. Eles seguem uma escalada de violência que dá sinais claros: ameaça, perseguição, controle, agressão. O feminicídio é o último estágio da violência doméstica”.
Além disso, o Acre conta com a atuação da Patrulha Maria da Penha, que acompanha mulheres com medidas protetivas, e com a rede de apoio formada pelo Ministério Público, Defensoria Pública, Polícia Civil e o Judiciário.
Dois crimes, uma mesma raiz
A dor das famílias de Luana e Auriscléia é a mesma. Dois nomes que agora engrossam uma lista que deveria estar vazia. Casos que escancaram uma realidade dura: o feminicídio continua fazendo vítimas no Acre, e a única forma de impedir que mais mulheres morram é quebrar o ciclo da violência. “Nós não podemos mais tolerar esse tipo de violência” concluiu a procuradora.
Canais de Ajuda
A denúncia e o rompimento do ciclo de violência são os desafiadores, mas necessários, que demandam e de familiares, amigos e instituições especializadas. O acolhimento da vítima é essencial para romper o ciclo de violência e desvincular-se do agressor.
As vítimas podem procurar a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) pelo telefone (68) 3221-4799 ou a delegacia mais próxima.
Também podem entrar em contato com a Central de Atendimento à Mulher, pelo Disque 180, ou com a Polícia Militar do Acre (PM-AC), pelo 190.
Outras opções incluem o Centro de Atendimento à Vítima (CAV), no telefone (68) 99993-4701, a Secretaria de Estado da Mulher (Semulher), pelo número (68) 99605-0657, e a Casa Rosa Mulher, no (68) 3221-0826.
Com informações do repórter Luan Rodrigo para TV Gazeta